Transparência no GIFE
O que entendemos por transparência entre institutos, fundos e fundações
Uma das principais peculiaridades do campo do investimento social privado é a ambiguidade de sua própria natureza: os institutos, fundos e fundações são organizações de direito privado, porém com objetivos, resultados e impactos que devem servir ao interesse público, ao bem comum. Ainda que muitas dessas organizações possuam benefícios e imunidades fiscais, utilizando, dessa forma, recursos públicos, esse fato não faz com que sejam instituições públicas de fato – o que exigiria um tratamento semelhante ao do setor público em relação à transparência. Muitas organizações nesse campo, ao contrário, reivindicam o seu direito de continuarem privadas e “opacas”.
A questão, no entanto, é que a natureza do trabalho dessas organizações exige diálogo com um amplo e plural leque de atores sociais. A necessidade de uma maior transparência se impõe pela demanda da legitimidade e pelas relações estabelecidas com a sociedade e não pelas exigências legais. Trata-se de uma dinâmica que diz respeito a toda a sociedade e que coloca o desafio de definição de maneiras de se comunicar que sejam capazes de tornar as informações mais acessíveis e atraentes.
A transparência é vista, nesse sentido, como a capacidade dessas organizações de publicar e disponibilizar informações importantes para seus principais interlocutores (instituições apoiadas, grupos beneficiários de suas ações, seus pares, parceiros, fornecedores, conselhos e o próprio Estado) e o público em geral (European Foundation Centre, 2011). Para a Transparência Internacional (TI), “transparência é a característica de governos, empresas, organizações e indivíduos em serem abertos em relação a clara divulgação de informações sobre planos, regras, processos e ações” (Transparency International, s/d – tradução livre). A capacidade de uma organização ser transparente, portanto, deve ir além da publicação de relatório anual com dados de projetos e informações contábeis, mas se relaciona a uma postura e responsabilidade exercitada no seu cotidiano de gestão, frente ao seu público interno e externo. Trata-se de cultivar uma cultura de transparência, em que se reconhece no outro um interlocutor relevante para o próprio aperfeiçoamento do trabalho das organizações.
Essa visão sobre transparência se aproxima da prática de accountability, conforme indica Falconer (1999). Esse conceito é definido por Samuel Paul (1992) como a capacidade de manter indivíduos e organizações passíveis de serem responsabilizados pelo seu desempenho. Isso envolve noções de responsabilidade (objetiva e subjetiva), controle, transparência, obrigação de prestação de contas e justificativa para as ações que deixaram de ser empreendidas (Pinho; Sacramento, 2009).
Transparência não pode ser vista como um fim em si mesmo, mas como parte de um sistema maior de prestação de contas (Angelico, 2012). Implica, portanto, uma perspectiva relacional que sugere ações de abertura, comunicação e prestação de contas. Ou seja, o compartilhamento de informações, porém com fins de diálogo e relacionamento: “Uma fundação transparente é aquela que compartilha, de forma ampla e honesta, o que faz, como faz e a diferença que faz. A transparência se traduz também em uma forma eficaz de prestação de contas para a sociedade e de construção de relacionamentos sólidos entre investidores sociais e suas partes interessadas – beneficiários, governo, mantenedores, outros investidores e organizações da sociedade civil” (Candid, 2014).
Por fim, a maior transparência por meio da comunicação é capaz de beneficiar, ao mesmo tempo, aqueles que são objeto do investimento social e os próprios investidores e suas relações com a sociedade como um todo. Isso acontece porque as ações ativas de transparência podem:
- Reforçar a credibilidade dos investidores sociais;
- Aumentar a confiança pública nessas organizações;
- Melhorar as relações com mantenedores, parceiros, colaboradores, comunidades, governos e públicos beneficiados pelo investimento social;
- Facilitar o engajamento e a colaboração para enfrentamento de problemas coletivos;
- Aperfeiçoar a própria atuação das organizações;
- Alimentar toda a comunidade com conhecimento e aprendizagens compartilhadas e melhores práticas entre os investidores sociais.
O que temos feito em relação à transparência
No GIFE, o tema da transparência sempre esteve presente. Em 2010, quando construímos uma visão para dez anos, foram identificados três aspectos essenciais: relevância e legitimidade social; abrangência e diversidade de investidores. A transparência foi considerada como um dos pilares da legitimidade, porque suas práticas estão intrinsecamente ligadas à construção de relações com a sociedade, à visibilidade, à apresentação de resultados e ao diálogo. Trata-se de assegurar a relevância do setor entre organizações e a sociedade como um todo.
Dois anos depois, publicamos uma carta de princípios para a Transparência e Prestação de Contas contendo diretrizes para a ação nesse sentido, o que incluiu uma lista de indicadores básicos e avançados a serem monitorados pelas próprias organizações para conhecer seu nível de transparência.
Além disso, publicações sobre o tema foram produzidas ou traduzidas, entre elas o número “Abertura: desmistificando a transparência dos investidores sociais” da série Grantcraft, do Candid (EUA), que é um dos materiais mais acessados na biblioteca do GIFE, a Sinapse. A tradução deste material foi acompanhada por uma série de ações de comunicação e de um debate entre os associados e atores-chave.
Também estivemos envolvidos no lançamento do setorial para ONGs do relatório G4 do GRI (Global Reporting Initiative) — uma iniciativa que tem ganhado espaço entre empresas que buscam um relatório completo sobre suas ações em sustentabilidade — um instrumento para as que as organizações da sociedade civil também possam avaliar sua estrutura e suas ações.
Em março de 2015 realizamos, um debate online explorando temas como: (i) como as instituições privadas com fins públicos ainda se veem e são vistas como isentas da necessidade de prestação de contas quando comparadas aos órgão públicos; (ii) como a transparência é muito disseminada quando se trata de sucessos e muito pouco trabalhada no momento de revelar fracassos das organizações; e (iii) como é necessário alargar e qualificar o conceito de transparência indo além da publicação de relatórios contábeis.
Do ponto de vista de pesquisa, a realização do Censo GIFE, a cada dois anos, também tem sido uma atividade central para produção de conhecimento sobre o campo e sobre de que forma os fundos, institutos e fundações têm se comunicado com a sociedade por meio da divulgação dos seus dados. Além dessas informações, o Censo GIFE 2014 trouxe também um artigo específico sobre a relação entre transparência e comunicação no investimento social privado.
Nossas ações nesse campo buscam, assim, aproximar a teoria da prática disseminando o valor da transparência entre fundos, institutos e fundações que atuam com investimento social privado.